Carta de Amor (escrito em 2009)


CARTA DE AMOR

Anselmo estava triste. Havia discutido com sua esposa, pela terceira vez em dois dias. As coisas não andavam bem entre eles. Motivos banais freqüentemente geravam longas brigas. Por vezes, ele tinha vontade de ficar fora de casa, fazendo qualquer atividade. Chegou ao ponto de achar mais interessante uma vitrine de uma banca de jornal do que a própria esposa. Não que não gostasse dela. Gostava. Mas algo estava errado. Não conseguia identificar. E Também era incapaz de explicar essa dificuldade para Sônia, a quem conhecia há muitos anos. Um dia, caminhando por uma praça, era sábado, Anselmo estava com pensamentos tristes. Sônia ficou em casa, cuidando do seu jardim. Ele saiu e não disse para onde. Nem um tchau antes de fechar a porta. Entristecido, passeava com todo o peso do mundo nas costas. Sentia-se mal. O que fazer?
Avistou um museu. Gostava de história. Sempre se interessou. E o museu pareceu-lhe uma boa oportunidade para liberar o peso das costas e parar de se martirizar pensando negativamente no seu casamento. Havia ali uma exposição de objetos pertencentes aos pracinhas que serviram durante a II° Guerra Mundial. Olhou as vestimentas, botas, armas, insígnias, sem, no entanto se fixar em nada, vagueando os olhos, penoso e deprimido, tentando esquecer o inesquecível, lutando contra sua tormenta interior. Anselmo suspirava longamente. Nem percebia os outros visitantes do museu, ou os atendentes. No fundo, ele procurava uma resposta, um alento.
Uma maneira de fazer reacender o amor.
Virando a esquina de uma das paredes, ele deparou-se com uma surpresa: uma sessão dentro do museu, contendo cartas antigas, escritas por soldados brasileiros no front de batalha para suas amadas que ficaram em terras brasileiras.
Quando se deu conta, estava lendo todas as cartas, mais de vinte na exposição. Deixou-se empolgar com isso. Instantes depois ele estava com um largo sorriso no rosto. Uma delas, ele achou particularmente tocante. Pediu para uma das funcionárias uma folha de papel e uma caneta e transcreveu a carta, que segue abaixo.

“Itália, 10 de novembro de 1944,

Meu amor, eu estou com muitas saudades tuas, das nossas conversas, de ouvir tua voz. Aqui, está fazendo muito frio. Não me preocupo tanto com ele e sim com o frio da indiferença. Procuro manter-me aquecido emocionalmente, pensando em ti: nas nossas longas juras de amor, nas noites passadas ao pé do abacateiro de sua residência. Tantas lembranças, tantas alegrias, elas me consolam. Obrigado por existires. Por seres uma das razões de minha existência. Obrigado, por construirmos os nossos sonhos juntos. Vivendo cada dia com tanto sentimento, tanto contentamento. Tem horas que não acredito que estamos juntos. Quando ainda estava no Brasil, acordava algumas vezes durante a noite e olhava para o seu lado da cama, onde dormias placidamente. E ficava ali a te admirar, pensando se eu estava sonhando ou se estava acordando, porque nossa existência toda é um sonho real.
Obrigado amor, porque mesmo aqui, nesses dias difíceis e tormentosos, posso acessar-te em pensamento e encher-me de esperança. Quando retornar para o Brasil, voltarei para os teus braços, cobrindo-te de beijos e afagos. Quero novamente ver as estrelas no céu, de mãos dadas contigo. Melhorar nossa casinha pequena e cheia de amor, para aumentar nossa família um dia.
Ah, como me empolgo com essas palavras. Eu quase sinto você ao meu lado. Suportarei todas as asperezas, todas as dificuldades, porque sei da brevidade delas. O teu amor é verdadeiro, tua amizade é um tesouro. Logo voltarei e logo seguiremos nossa vida, caminhando juntos, um sendo amigo do outro. Eu me esforçarei para ser o mais leal, o mais sincero e fiel, porque tu mereces.
Beijos, minha querida Sônia, de quem te ama e te admira.
Anselmo.”

Anselmo e Sônia? Será possível? Checou duas, três vezes. Sim os nomes eram os mesmos. O dele e o deu sua... Sônia. Ficou ali pensativo, refletindo no teor daquela carta e na lembrança de sua esposa.
Saiu. Foi correndo para casa. Ao abrir a porta, encontrou Sônia no jardim, com o semblante pesado. Chegou perto dela e abraçou-a, com tanto amor, tanta ternura, que sua esposa retribuiu com um longo suspiro e um caloroso abraço.
- Desculpe – disse Anselmo.
- Que bom que voltasse meu querido. Está presente de novo. – disse Sônia, emocionada.
Ficaram abraçados, e depois começaram uma dança, cuja música fluía de seus corações. Abraçados e se amando novamente.

FIM

Luiz Cláudio São Thiago de Melo Altenburg



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