O Bondoso João

João era um cara bom. Bom demais. Tão bom que as pessoas não aguentavam ficar perto dele. Não via defeitos em ninguém, não mentia, não fazia fofoca... Muito bonzinho.

Um belo dia, João tropeçou e bateu com a testa no chão, em cima de uma pedra pontuda. O sangue brotou de seu rosto e pingava pelo chão, misturado com as lágrimas, já que ele chorou de dor por causa da distração e vociferou contra a triste pedra que ficou no seu caminho. Lançou para o alto um grande palavrão - pelo menos era grande para ele. Aquele gesto de fúria chocou a opinião pública da cidade; os jornais não pararam de escrever sobre isso; um repórter chegou a fazer uma entrevista exclusiva com João para buscar os motivos daquele ataque de fúria, explorando ainda mais a violência; um padre foi até ele exortar para que retornasse ao bom caminho, afinal João era bom; pessoas passaram a ignorá-lo (já o faziam antes, agora apenas com mais veemência).

Pobre João era bom demais, tão bom que se viu obrigado a mudar de cidade. A população não aguentou aquele palavrão proferido num ato de fúria. João não merecia o palavrão e o palavrão não merecia João. E por conseguinte, a cidade não merecia João e João não merecia a cidade.

As pessoas viram o óbvio: João não era bom, era apenas uma pessoa discreta. Ou pelo menos elas preferiram acreditar assim e puderam dormir sossegadas, depois que João foi embora; porque agora elas não precisavam se sentir culpadas por causa do menosprezo que nutriam por ele.

Pobre João. Mas outra cidade haverá de gostar dele. Principalmente se for sem pedras pontudas no meio do caminho.

Luiz Cláudio Altenburg – 15.12.2011

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